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segunda-feira, maio 12, 2025
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A febre dos bebês reborn: entre o afeto simbólico, a arte e a polêmica social

Eles têm peso, cheirinho, marcas na pele e até veias visíveis. À primeira vista, parecem recém-nascidos de verdade, mas são bonecos hiper-realistas: os chamados bebês reborn. Essa febre, que tomou conta de redes sociais e emocionou celebridades, está provocando discussões acaloradas sobre os limites entre arte, terapia e fantasia. No Rio de Janeiro e em todo o país, cresce a comunidade de “mães de reborn” — mulheres adultas que adotam esses bonecos com vínculos afetivos que vão muito além da simples coleção.

O fenômeno ganhou novos holofotes recentemente, impulsionado por personalidades como a influenciadora fitness Gracyanne Barbosa, que declarou publicamente seu carinho pelo seu bebê reborn, batizado de Benício. Publicações com fotos do boneco geraram uma enxurrada de comentários, que oscilaram entre o espanto, o deboche e a solidariedade.

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Uma prática que divide opiniões

A humanização dos bebês reborn tem provocado estranhamento em parte da sociedade. Há quem veja a prática como um escapismo exagerado, enquanto outros enxergam um valor simbólico e até terapêutico. De acordo com o psiquiatra clínico Ricardo Farias, do Instituto de Saúde Emocional do Rio, os bebês reborn podem servir como um canal legítimo de expressão emocional.

“Esses bonecos são frequentemente utilizados como um suporte simbólico. Muitas mulheres projetam neles sentimentos relacionados à perda, à infertilidade ou mesmo à saudade de uma fase da vida em que os filhos exigiam cuidados intensivos”, afirma Farias. Ele frisa que o apego aos bonecos não configura, por si só, um transtorno. “O que precisamos avaliar é o impacto na funcionalidade. Se a pessoa leva uma vida equilibrada e encontra bem-estar nessa prática, não há motivo para alarme.”

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Já a terapeuta ocupacional Renata Monteiro destaca que os reborns vêm sendo usados inclusive como ferramentas terapêuticas em ambientes hospitalares e clínicas de reabilitação. “Em pacientes com Alzheimer, por exemplo, os bonecos têm sido eficazes na redução da ansiedade. Também são empregados com crianças autistas como forma de estimular o cuidado, a empatia e a linguagem simbólica.”

Arte, representação e mercado

Para além do aspecto psicológico, o universo reborn também se firmou como um campo artístico e comercial em franca expansão. As peças são esculpidas manualmente por artistas plásticos especializados, que conferem aos bonecos detalhes impressionantes, como dobra de pele, choro nos olhos e fios de cabelo implantados um a um.

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Alessandra Nóbrega, artista carioca reconhecida internacionalmente, vê no reborn uma arte sensível e cheia de propósito. “Criar um bebê reborn é, para mim, dar forma ao afeto. Muitos enxergam como um simples brinquedo, mas há um processo artístico e emocional profundo por trás de cada peça.”

Ela alerta, no entanto, para a pirataria e a desvalorização do ofício. “Infelizmente, o mercado está repleto de cópias baratas importadas, que além de violarem direitos autorais, podem ser feitas com materiais tóxicos. Isso prejudica a saúde e o trabalho de quem atua com seriedade na área.”

Comunidade, pertencimento e inclusão

Redes sociais como Instagram e TikTok tornaram-se vitrines para um novo tipo de maternidade simbólica. Grupos e perfis dedicados ao reborn reúnem mulheres de diferentes idades que compartilham experiências, trocam dicas e organizam encontros temáticos. A sensação de pertencimento é um dos pilares dessa comunidade.

“Cuidar de um bebê reborn pode ser uma forma de resgatar vínculos afetivos, amenizar a solidão ou simplesmente celebrar o prazer de cuidar”, afirma o psicanalista social Tiago Rangel. Para ele, trata-se de um fenômeno sociológico que espelha transformações nos modelos tradicionais de família e maternidade. “Não estamos falando apenas de bonecas. Estamos falando de representações, afetos e identidades em construção.”

Essa visão se conecta com movimentos mais amplos de inclusão e representatividade. Algumas artistas têm produzido reborns com características físicas e étnicas diversas, incluindo bonecos com deficiência, algo ainda raro no mercado tradicional de brinquedos.

Entre o afeto e o exagero

Apesar dos muitos benefícios apontados, especialistas alertam para possíveis excessos. Casos em que o vínculo com o boneco substitui relações humanas reais ou leva ao isolamento social merecem atenção. “A chave está no equilíbrio”, afirma o psiquiatra Ricardo Farias. “Não se trata de condenar, mas de entender. Se o reborn está a serviço do bem-estar, é saudável. Se está encobrindo uma dor não elaborada, pode ser necessário um olhar terapêutico mais profundo.”

No final das contas, o reborn é muito mais do que um brinquedo ou uma moda passageira. É uma expressão multifacetada de um desejo humano por cuidado, conexão e significado. Cabe à sociedade, aos profissionais de saúde e à própria comunidade reborn encontrar os limites e as potências desse fenômeno — que, para muitos, é um verdadeiro renascimento emocional.

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